Friday, 13 May 2011

O outro lado do Glamour

É muito engraçado a reação das pessoas quando você conta que mora numa cidade européia. A grande maioria diz “ nossa, meu sonho!", "ai, que máximo!”, “você é a pessoa mais sortuda do mundo", “incrível, eu adoraria”. E, de fato, morar em London é demais (difícil vai ser na hora de voltar para casa!). Mas poucas pessoas conhecem os bastidores da vida inglesa. Quando você vem visitar alguém ou passear, é uma coisa. Agora, quando você vem morar pra valer, ela muda de figura.

Em qualquer lugar do mundo, a vida tem uma rotina e você precisa se adaptar a ela. Isso não é um problema, é a vida como tem que ser.
Morando na Inglaterra, eu descobri uma vida mais simples e me sinto muito mais feliz por isso. 
No Brasil a gente é acostumado com mordomia, um termo que os europeus não sabem muito bem o que significa. 

Posso dizer que faço parte da turma de pessoas abençoadas porque tenho uma diarista brasileira que cuida da casa para mim, uma manicure (também brasileira!) que vem na minha casa toda semana, uma esteticista para fazer limpeza de pele, uma pessoa que dá um help com o meu filho quando temos algum programa para fazer a noite, um cabelereiro inglês muito bom e uma amiga queridíssima que faz vários cursos aqui, inclusive de massagem e me usa de cobaia (thx Daninha!!!). 
Isso é luxo numa cidade onde a maioria das mulheres são responsáveis por tudo, inclusive da organização e limpeza da casa e mal conseguem ter tempo para ler um livro. 

Essa semana eu fiz uma listinha das coisas que são diferentes do que estamos acostumados e que foram impactantes quando cheguei:

- Médico: A primeira coisa que você precisa fazer é se cadastrar no GP. O GP (General Practitioner) é o médico do bairro, uma espécie de "clínico geral". Ele fica com todo o seu histórico e se for o caso, vai te encaminhar para um especialista. Dificilmente ele vai examinar você como os médicos no Brasil. Exame de sangue ou algo do gênero, só se você chegar no consultório se arrastando. Aqui em London o GP adora dizer que você está com um vírus e que precisa ir para casa descansar e tomar um paracetamol. 
Eu costumo dizer que qualquer problema de saúde para eles se resolve com tylenol a cada quatro horas, durante 48 horas. 
Conversar a respeito do problema e falar sobre a sua vida, nem pensar. Contente-se com o "oi, tudo bem" e "o que te trouxe aqui hoje?", mais ou menos no estilo “vamos direto ao assunto, por favor”. O que é bom é que você não compra o remédio, caso precise. Ele vai te dar uma receita que você leva na farmácia mais próxima e dentro de algumas horas ou na hora mesmo, você sai de lá com os remédios na mão sem abrir a sua carteira. 

- Carro: para estacionar o carro na rua que você mora, isso não significa em frente a sua casa (a maioria das casas em London não tem garagem), é preciso fazer o seu "Resident Parking", pagar uma taxa anual de aproximadamente £94.00 (depende do carro) e aguardar alguns dias para receber. Até lá, é preciso estacionar em vagas permitidas para visitantes e pagar um custo por hora. 
O melhor é abastecer. Frentista? Quem é essa pessoa? Eles não conhecem. Você estaciona o seu carro e você mesmo enche o tanque dele. Depois vai até a lojinha, informa o número da bomba que usou e paga a sua conta. Se você é como eu, que só sabe ligar o carro e andar, é melhor pedir ao seu marido/namorado para calibrar os pneus, ver água e óleo, porque tudo é "by yourself".
Também tem que ficar ligado no ponteiro do combustível porque aqui não tem a quantidade de postos de gasolina que estamos acostumados a ver no Brasil.

- Supermercado: Se você não é adepta a fazer isômetria, carregando as dezenas de sacolas nas suas mãos, a opção é fazer compras online ou comprar um carro para ajudar nessa tarefa.
Leve a sua sacola ou o seu carrinho quando for ao supermercado, do contrário pagará pelas sacolas que usar. Nada é de graça na terra da rainha.

- Se você tem máquina de lavar, secar e uma diarista em casa, ótimo, você terá roupas passadas. Do contrário há duas opções: você mesmo passar as suas roupas ou adotar o estilo inglês de usar roupas amassadas. 
Lençol, camisas e vestidos, mande para uma lavanderia se você não quer encurtar o tempo de vida dessas roupas. Lençol é a parte mais difícil. Eu nunca tinha passado um antes e depois da minha primeira experiência, vi que essa função não é para a mim.Lavanderia JÁ!!!  Isso é um trabalho muito difícil e não sei como as meninas que trabalhavam na minha casa faziam isso com tanta facilidade!

- Reciclagem. O lixeiro só passa uma vez por semana e eles são super CDFs com a separação dos produtos. 
Lembro de jogar lixo no lixo. Abrir a tampa e tchum...lá vai mais uma coisa fora. Era uma atividade rápida e indolor. Agora isso toma parte do meu domingo porque na minha rua, ele só passa as segundas-feiras. 
Para facilitar a minha vida, eu tenho na cozinha uma lixeira com 3 compartimentos: um para papel, outro para as garrafas e o terceiro para o lixo propriamente dito. Decidi que não iria separar os restos de comida numa quarta lixeira, porque já estava ficando louca com esse assunto. Resto de comida, vai para o lixo comum. 
Feito isso, no domingo é preciso separá-los nas respectivas caixas e colocá-los na frente de casa. Caixa preta para garrafas, azul para papel, as lixeiras pretas para o lixo normal e lixeira verde para o lixo do jardim. Imaginem entender essa dinâmica quando eu cheguei. Lembro que eu fiquei sentada junto com o meu sogro, aguardando a visita ilustre dos lixeiros para perguntar para eles como era essa separação. Ahh tem mais. As caixas de papelão devem ser desmontadas e empilhadas. As garrafas de suco, potes de iogurtes, latas de refrigerantes e molhos de tomate devem ser lavados antes de irem para o lixo. Eu nunca tinha feito isso e nem sabia o trabalhão que dá. Mas tudo bem, depois que você entra no ritmo, vai embora.

- Guarda-chuva e a galocha precisam estar no seu guarda-roupas, porque o luxo de viver numa cidade plana onde se faz tudo a pé é impagável, até começar a chover. Andar com chuva e neve é uma aventura. Você chega em casa molhada e suja. Precisa ter alguns tapetinhos na entrada para não sair sujando a casa inteira. Com isso, aqui em casa adotamos uma regra que ao chegar da rua é preciso tirar o sapato. É bem melhor assim porque tudo permanece limpo.

- Presentes: Se você acha que vai comprar um presente e sair com ele embrulhado bonitinho da loja, você está enganada. Geralmente as lojas não fazem pacote para presente. É preciso você comprar o papel ou uma caixa e fazer por conta própria. 

- Jardim: Eu curto bastante mexer em jardim, então isso não foi um problema para mim. Só achei estranho quando eu fui ao Garden Center comprar plantas e vasos e tive que fazer tudo sozinha. Tudo mesmo! Escolher as plantinhas, colocá-las num carrinho gigante, escolher os vasos (comprei 6 vasos de terracota enormes), colocá-los "sozinha" nesse mesmo carrinho, pegar o adubo, pagar e depois empurrar o carrinho até o carro com tudo em cima (me senti uma malabarista) e colocar tudo no porta-malas sem a ajuda de uma alma caridosa. Chegando em casa, obviamente tive que descarregar. Ufa, isso foi dureza! Se não fosse minha fiel escudeira, a diarista, eu estaria com dor nas costas até hoje.
Sei que poderia chamar um jardineiro. Tem jardineiros sim e muito fácil de contratar. Eu que fiz a opção de cuidar sozinha do meu jardim. 

- Mão de obra: Todo serviço que você contrata paga por hora. Você chama a pessoa e ele vai te falar quanto custa a hora e quantas horas vai precisar para fazer. Com "cleaners", "plumbers"  tudo funciona assim.
Eu estou super satisfeita com esse sistema. Termina o serviço, você paga e até a próxima!  

Fico muito feliz quando percebo tudo que aprendi a fazer sozinha depois que vim morar em London. Desde cozinhar, lavar roupa, reciclar o lixo direitinho, plantar, ir ao supermercado, lavanderia, pregar um quadro na parede, trocar lâmpada, abastecer e mais um monte de bobagenzinhas do dia-a-dia. Mas meu maior orgulho é ter aprendido a cozinhar. 
Como disse o primo do meu marido, "para quem não sabia nem fazer gelo, você tá mandado bem na cozinha". Adorei o elogio e sei que é verdade o que ele estava falando. Sempre tive quem fizesse por mim e me orgulhava de não ir para a cozinha.
Claro que tem dias que dá saudade de acordar pela manhã e encontrar a mesa do café pronta, de tomar suco de laranja feito na hora, de sair do banho e encontrar a roupa que eu escolhi para usar em cima da cama, passadinha. Isso também é muito bom. Mas prefiro viver o que estou vivendo agora. 
Essa experiência mudou o meu modo de pensar e de ver a vida. Passei a valorizar mais as pequenas coisas e o trabalho das pessoas. 
Assim como eu, espero que muitas pessoas tenham a mesma oportunidade de ver isso de perto.

4 comments:

  1. Hehe! Débora, dobre o lençol e passe dobrado de um lado e de outro e levante as pontas para passar a parte dos elásticos, facilita muito. E dobrar ele quente, recém saido da secadora evita ter que passar. Embora eu saiba cozinhar, passar e furar parede não tenho muita saudades dessa época de morar sozinha e fazer tudo, rs. Fiquei cansada só de ler tudo sso. Carregar vaso sozinha é dose... Acabo de ir na L'Oeil e vão entregar aqui em casa segunda, depois os jardineiros carregarão pra cima. Sou taurina demais pra Londres, hahahahaha. Mas passear eu vou!!! Bjs

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  2. Nem me fala. Eu fico acabada no final do dia. rs!
    Valeu pela dica do lençol, mas consegui deixar esse job para a diarista e para o carinha da lavanderia. Nem me estresso mais. As toalhas eu dobro assim que tiro da secadora. Ajuda horrores.
    Carregar vasos, nem me fala. Fiz musculação de graça.

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  3. Dezita!

    Ótimo post!
    Por que nem só de flores se vive fora do nosso ninho....
    E é por isso já to voltando! Hehehehehee chega de perrengue!

    P.s Adorei a homenagem! Afinal, amigo é pra essas coisas ;)
    Bjão
    Love, dani

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  4. Amiga....sem vc eu não seria ninguém nessa terra...vc sabe disso. Essa é a vida como ela é....

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